#DiaInternacionalDaMulher

Artigo de opinião: A longa e sinuosa estrada rumo à igualdade de gênero

No Brasil, o quadro de desigualdades do mercado de trabalho reflete-se também em diferenças salariais

8 de março de 2024




Celebrado em março, o Dia Internacional da Mulher é uma data para reiterar a urgência em acelerar a igualdade de gênero no mundo do trabalho. Ao menos três fatores carregam, isoladamente, o potencial de tolher o caminho rumo à igualdade de gênero: desigualdade salarial, sobrecarga de atividades de cuidados e violência e assédio no trabalho. Entrelaçados, esses fatores são barreiras centrais para a participação das mulheres nos mercados de trabalho.

Abordar as desigualdades é também endereçar o aumento do crescimento econômico e da produtividade dos países. A OIT estimou que, se as brechas de gênero no mercado de trabalho fossem reduzidas em 25%, o PIB mundial aumentaria em US$ 5,3 trilhões até 2025. No entanto, é dado conhecido que a desigualdade de gênero está relacionada com brechas estruturais existentes no mundo do trabalho.

A primeira brecha é a diferença nas taxas de participação entre homens e mulheres. A taxa de participação se refere à proporção das pessoas em idade de trabalhar que estão inseridas na força de trabalho como ocupadas ou procurando emprego. Ao redor do mundo, as desigualdades no acesso ao trabalho e emprego afetam mais as mulheres. A taxa global de participação das mulheres na força de trabalho é um pouco inferior a 47%, comparado à de 72% dos homens.

No Brasil, no último trimestre de 2023, a taxa de participação das mulheres chegou a 52,7% comparada à de 72,3% dos homens, segundo o IBGE. Elas também apresentam maior taxa de desocupação ou desemprego, 9,2%, contra 6,0% dos homens. 

Entre as mulheres negras, os números de inserção no mercado de trabalho são mais preocupantes. As taxas de participação e de desocupação delas são de,respectivamente, 51,6% e 11,1%, enquanto um homem não negro tem taxas de participação de desocupação de, respectivamente, 72,3% e 5,0%.

Uma vez no mercado de trabalho, em geral, as mulheres enfrentam condições mais desfavoráveis, com maior representação em empregos informais, maior vulnerabilidade e maior exposição a trabalhos precários. Isso, somado às taxas desemprego mais baixas, afeta a renda das mulheres, sua saúde, segurança e autonomia social. Globalmente, para cada dólar de renda do trabalho que os homens ganham, as mulheres ganham apenas 51 centavos.

No Brasil, o quadro de desigualdades do mercado de trabalho reflete-se também em diferenças salariais. Segundo o IBGE, as mulheres recebem remuneração 20,7% inferior à dos homens (R$2.636 contra R$3.326). Quando tomamos as mulheres negras, a remuneração média é de R$2.007 - 54,1% menor que a dos homens não negros.

Parte disso está associada à divisão sexual do trabalho remunerado e não remunerado, que é altamente feminizado e com viés de raça e etnia.

Responsabilidades familiares, incluindo o trabalho de cuidado não remunerado,afetam, desproporcionalmente, as mulheres. Essas atividades podem impedi-las não apenas de estarem empregadas, mas de procurarem um emprego ativamente,de estarem disponíveis para trabalhar mediante curto aviso prévio ou, ainda, de ascenderem na profissão.

Os papéis de gênero variam entre regiões e agregados familiares. Contudo, fato é que, em comparação com os homens, as mulheres carregam o peso do trabalho de cuidado não remunerado, seja cuidando de crianças, pessoas idosas ou doentes,seja na execução das tarefas domésticas diárias. Dados globais da OIT mostram que as mulheres realizam 76,2% do total de horas de trabalho de cuidado não remunerado, mais do que o triplo dos homens.

A sobrecarga de responsabilidades na prestação de cuidados limita as oportunidades de inserção, de permanência e de ascensão das mulheres no trabalho. De acordo com o IBGE, em 2022, as mulheres dedicavam 21,3 horas diárias aos afazeres domésticos, enquanto os homens dedicavam 11,7 horas, uma diferença de 82,1%. A divisão das tarefas domésticas permanece desigual mesmo entre as pessoas ocupadas: em média, as mulheres ocupadas dedicaram 6,8 horas a mais do que os homens ocupados às tarefas domésticas e/ou de cuidado em 2022.

As mulheres seguem mais expostas aos riscos de violência e assédio baseados em gênero no trabalho. Uma em cada cinco pessoas empregadas já sofreu algum tipo de violência ou assédio - seja físico, psicológico ou sexual – em algum momento de sua vida profissional, segundo dados da OIT, Lloyd's Register Foundation e Gallup. Isso significa 743 milhões de homens e mulheres em todo o mundo.

Nas últimas décadas, avanços graduais foram observados, mas os números apresentam o crítico desafio de enfrentar um retrocesso sem precedentes na igualdade de gênero e raça, com recordes de retração da participação feminina e de aumento da carga de trabalho não remunerado. Isso acontece em um contexto ainda hostil de persistentes disparidades salariais e pervasiva violência e assédio nos ambientes laborais que afetam mais fortemente as mulheres e entre elas as mulheres negras, indígenas, trans e com deficiência. Todas as intersecções devem ser ressaltadas para vencermos a desigualdade que afeta vidas e compromete a capacidade de promover crescimento justo e sustentável.

O Brasil tem diante de si a oportunidade histórica de ratificar as Convenções da OIT Nº 190, sobre Violência e Assédio no Trabalho, e a Nº 156, sobre Igualdade de Oportunidades e de Tratamento para Homens e Mulheres Trabalhadores:Trabalhadores com Encargos de Família, ambas em tramitação no Congresso Nacional.

Em sentido similar, os avanços para a consolidação de uma Política Nacional de Cuidados e para aprovação de um Plano Nacional de Igualdade Salarial e Laboral entre Mulheres e Homens são sinais indeléveis rumo à construção de um mundo do trabalho mais seguro, igualitário e produtivo. A igualdade de gênero é importante para todas as pessoas, famílias, empresas e para o desenvolvimento sustentável de uma país. Sem ela, não há justiça social.

Vinícius Pinheiro é diretor do Escritório da Organização Internacional do Trabalho(OIT) para o Brasil
Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 8 de março de 2024.

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