Programa de Cooperação Técnica OIT-Catar

Quatro anos de reformas laborais no Catar

Dois novos relatórios da Organização Internacional do Trabalho (OIT) descrevem os progressos alcançados e os desafios que permanecem na implementação de reformas laborais no Catar, que levaram à adoção de uma nova legislação e ao aperfeiçoamento dos sistemas de administração do trabalho.

Comunicado de imprensa | 1 de Novembro de 2022
DOHA (Notícias da OIT) A OIT publicou dois novos relatórios detalhando os resultados do Programa de Cooperação Técnica iniciado em abril de 2018 entre o governo do Catar e a OIT.

Os relatórios de progresso anual e a quatro anos cobrem os esforços encetados nas áreas da regulamentação de migrações laborais, aplicação da legislação laboral e acesso à justiça, e reforço da representação dos trabalhadores e do diálogo social.

Estas alterações contribuíram já para a melhoria das condições de vida e de trabalho de centenas de milhares de trabalhadores. Ainda assim, são necessários esforços adicionais de forma a garantir que todos os trabalhadores serão abrangidos por aquelas melhorias.

Percorremos um longo caminho com o Catar – e as reformas e a cooperação com a comunidade internacional são, de facto, significativas para a região. Reconhecemos que não chegámos, ainda, ao fim da linha e continuaremos a construir com base neste sólido alicerce com o objetivo de minorar as lacunas de implementação e garantir que todos os trabalhadores e empregadores beneficiam destas importantes reformas"

Ruba Jaradat, Diretora Regional da OIT para os Estados Árabes

Liberdade para mudar de emprego

Antes da implementação das reformas, os trabalhadores do Catar necessitavam de permissão dos seus empregadores para mudar de emprego e deixar o país. Esta necessidade de autorização figurava entre um dos elementos mais problemáticos do sistema Kafala [kafala sponsorship system], que tornava os trabalhadores dependentes dos seus empregadores,gerando oportunidades de exploração e de trabalho forçado.

Graças a estas mudanças, o Ministério do Trabalho do Catar aprovou cerca de 350 mil pedidos de mudança de emprego por parte de trabalhadores migrantes nos dois anos seguintes à introdução das reformas. Contudo, muitos trabalhadores enfrentam ainda dificuldades em deixar o atual emprego e mudar para um novo, sofrendo retaliação por parte dos seus empregadores.

Pagamento de salários

Em março de 2021, o Catar tornou-se o primeiro dos países da região do Golfo a adotar um salário mínimo não discriminatório que se aplica a todos os trabalhadores, de todas as nacionalidades e a todos os setores, incluindo o do trabalho doméstico. Ao todo, 13 por cento da força de trabalho – 280 mil pessoas – viram os seus salários serem aumentados para o limite mínimo definido depois da introdução da nova legislação.

Os empregadores foram ainda obrigados a fazer as transferências de salários através de bancos do Catar, permitindo ao Ministério do Trabalho monitorizar essas transferências, reduzindo assim riscos de abusos relativos a pagamentos. O montante das sanções por não pagamento de salários tem aumentado e o seu controlo intensificado. Um fundo criado pelo Governo pagou 350 milhões de dólares desde 2019. Este número é ilustrativo da dimensão do problema dos salários não pagos no país.

Saúde e segurança no trabalho e inspeção do trabalho

Entre as principais prioridades do Programa de Cooperação Técnica figuram a questão da saúde e segurança no trabalho.

A nova legislação providencia maior proteção aos trabalhadores do Catar face aos efeitos adversos do stress témico, proibindo o trabalho em ambientes exteriores entre as 10 e as 15 horas de dia 1 de junho a dia 15 de setembro – de longe o maior número de horas com proibição de trabalho da região do Golfo. A legislação também estabelece um limite após o qual todo o trabalho em ambiente exterior deve ser interrompido, independentemente da altura do ano.

As campanhas da inspeção do trabalho nos verões de 2021 e 2022 conduziram a paralisações temporárias ou definitivas em 338 e 463 estaleiros, respetivamente, por desrespeito das normas relativas a horas de trabalho proibidas.

Consequência da nova legislação e de ações inspetivas, observou-se uma diminuição significativa do número de pacientes admitidos em situação hospitalar com problemas relacionados com o calor. Um total de 351 pacientes foram observados no verão de 2022, o que compara com 1.520 pacientes em 2020, antes da introdução da nova legislação – totalizando uma diminuição de 77 por cento em dois anos.

Relativamente a dados em matéria de acidentes e acidentes mortais em contexto laboral, a OIT trabalhou com o governo e com outras importantes instituições do Catar na publicação de um relatório que apresentou a mais extensa compilação de dados nacionais disponíveis nessa matéria para 2020. O relatório também identificou as lacunas na recolha desses dados e apresentou 20 recomendações relativas ao que falta fazer neste domínio.

Acesso à justiça

Antes da promulgação das recentes reformas da legislação laboral, os trabalhadores disponham de meios limitados para apresentar queixa em caso de disputas com seus empregadores. Nos últimos anos, o Programa reconheceu as medidas adotadas pelo Catar para melhorar o acesso dos trabalhadores à justiça, introduzindo uma nova plataforma online para a apresentação de queixa e criando novos tribunais do trabalho para resolução de conflitos.

O número de queixas de trabalhadores mais do que duplicou, em grande parte devido à maior facilidade de acesso à plataforma online. Entre outubro de 2021 e outubro de 2022, o Ministério do Trabalho do Catar recebeu 34.425 reclamações de trabalhadores, a maioria relacionada com salários não pagos. Do total de reclamações, 66,5 por cento foram resolvidas antes ou durante a conciliação. Cerca de 31 por centodas queixas foram encaminhadas para tribunais do trabalho, que decidiram a favor dos trabalhadores em 84 por cento dos casos.

Representação dos trabalhadores

A lei do Catar não reconhece o direito a trabalhadores estrangeiros formarem ou juntarem-se a sindicatos. Antes das reformas laborais, as plataformas para o diálogo social e representação dos trabalhadores eram extremamente limitadas. A nova legislação conduziu à implementação de comités mistosa nível de empresa. Este diploma, que permite a eleição de trabalhadores migrantes como representantes, é pioneiro na região.

Até à data, mais de 70 empresas constituíram comités mistos, comcom 613 trabalhadores que representam um total de 40 mil. Dezenas de outras empresas receberam formação com vista a eventual realização de eleições com esse propósito.

Desafios a vencer

Os relatórios destacam o consenso relativo à necessidade fazer mais para aplicar e fazer cumprir as reformas laborais. Referem que, de entre as principais prioridades apontadas pela OIT, estão a necessidade que todos os trabalhadores e empregadores beneficiem das alterações ao sistema de kafala na mobilidade laboral, a agilização do acesso à justiça e compensação por salários devidos e não pagos e a completa implementação da legislação relativa aos direitos dos trabalhadores domésticos. A OIT mantém o compromisso de continuar a trabalhar com o governo, trabalhadores e empregadores para apoiar o alinhamento da legislação e práticas laborais no Catar com as normas internacionais do trabalho.

Antecedentes

Em 2014, organizações sindicais internacionais submeterem uma queixa à OIT contra o Estado do Catar relativamente a práticas não conformes com as principais normas internacionais do trabalho. No centro desta queixa estavam alegações de que o sistema de kafala potenciava casos de exploração e de trabalho forçado e de que as estruturas administrativas no país não estariam a detetar e resolver adequadamente as violações ao direito do trabalho.

A queixa acionou uma série de passos do mecanismo de supervisão da OIT, incluindo a decisão do Conselho de Administração da OIT de enviar uma missão tripartida de alto nível para o Catar. Depois de um período de intensas negociações, o Estado do Catar e a OIT acordaram um programa para promover profundas reformas laborais, aprovado pelo Conselho de Administração da OIT e que conduziu ao encerramento do processo de queixa em 2017. Em abril de 2018, a OIT instalou o seu escritório-programa em Doha. Durante 3 anos o Escritório reportou ao Conselho de Administração da OIT.

As reformas estão alinhadas e contribuem para a implementação da Visão Nacional 2030 do país, que inclui objetivos relacionados com o desenvolvimento de uma economia baseada na competitividade, diversidade e no conhecimento.

Para entrevistas, favor contatar Marco Minocri, Oficial de Comunicação, Escritório de Projetos da OIT para o Estado do Catar. (minocri@ilo.org).