Visita Guiada

O Trabalho não é uma Mercadoria

Origens

A Organização Internacional do Trabalho foi fundada em 1919 sob a égide do Tratado de Versalhes que pôs fim à I Guerra Mundial. Argumentos humanitários, económicos e políticos a favor da produção e controlo da aplicação de normas internacionais do trabalho estiveram na base da sua criação.

Desde logo, a profunda reflexão sobre o impacto humano e social da revolução industrial. A ideia de um direito internacional do trabalho surgiu no início do século XIX. Alguns industriais notáveis, entre os quais Robert Owen e Daniel Le Grand, apoiaram a ideia de uma legislação progressista no domínio social e laboral. Já no final desse século, essa aspiração foi reforçada pelo crescente movimento sindical reivindicando direitos democráticos e condições de vida dignas para os(as) trabalhadores(as).

O argumento inicial era, assim, de natureza humanitária. As condições a que se encontravam sujeitos os(as) trabalhadores(as) e as suas famílias eram cada vez mais intoleráveis. Esta preocupação encontra-se claramente expressa no Preâmbulo da Constituição da OIT, segundo o qual «existem condições de trabalho que implicam para um grande número de pessoas a injustiça, a miséria e privações...».

O segundo argumento estava relacionado com aspetos económicos a que hoje chamaríamos de regulação da globalização para evitar o “dumping social”. Em virtude dos inevitáveis efeitos de uma reforma social sobre os custos de produção, qualquer setor económico ou país que tentasse implementá-la ficaria em desvantagem face aos seus principais concorrentes. Uma legislação internacional permitiria, assim, estabelecer regras iguais para todos, as “regras do jogo” evitando a concorrência desleal. No Preâmbulo afirma-se igualmente que «a não adoção por uma nação de um regime de trabalho realmente humano é um obstáculo para os esforços das outras nações que desejam melhorar a condição dos trabalhadores nos seus próprios países».

O terceiro argumento era de natureza política. A paz, quer ao nível global quer ao nível nacional, implicava justiça social tal como consagrado na Constituição da OIT: «só se pode fundar uma paz universal e duradoura com base na justiça social». Por outro lado, se as suas condições de vida e de trabalho não melhorassem, a classe operária em expansão não deixaria de reivindicar os seus direitos, com o risco inerente de distúrbios sociais, podendo levar ao desencadear de processos revolucionários como se comprovara na Rússia em 1917. O Preâmbulo refere, assim, que a injustiça gera um tal «descontentamento que a paz e a harmonia universais são colocadas em perigo».

Todos estes argumentos confluíram no processo de negociação do pós-guerra. Com efeito, a Constituição da OIT foi redigida, entre Janeiro e Abril de 1919, pela Comissão da Legislação Internacional do Trabalho, e integrada, como Parte XIII, do Tratado de Versalhes. Os autores do texto inglês foram Harold Butler e Edward Phelan, futuros Diretores-Gerais da OIT.

Portugal, enquanto signatário do Tratado de Versalhes, foi membro fundador da Organização Internacional do Trabalho.

Primeiras duas décadas: até à II Guerra Mundial

A primeira sessão da Conferência da OIT, reunida em Washington logo em outubro de 1919, adotou as seis primeiras Convenções Internacionais do Trabalho respetivamente sobre: a duração do trabalho na indústria, o desemprego, a proteção da maternidade, o trabalho noturno das mulheres, a idade mínima e o trabalho noturno dos jovens na indústria.

O Bureau Internacional do Trabalho (BIT), o secretariado permanente da OIT, instalou-se em Genebra desde o verão de 1920. Albert Thomas, que visitaria Portugal em 1925, foi o seu primeiro Diretor-Geral. No decurso do seu mandato a Organização conheceu um forte impulso, tendo adotado 16 convenções e 18 recomendações em menos de dois anos.

Por outro lado, em 1926, uma Comissão de Peritos foi criada no quadro do sistema de controlo da aplicação das normas da OIT. Esta Comissão, que existe até aos dias de hoje, é formada por juristas independentes encarregues de examinar os relatórios nacionais e de apresentar o seu próprio relatório consolidado a cada sessão da Conferência Internacional do Trabalho.

Em 1932, após um mandato de treze anos durante o qual assegurou uma forte presença da OIT em todo o mundo, Albert Thomas faleceu. O seu sucessor, Harold Butler, foi rapidamente confrontado com os problemas do desemprego massivo causados pela Grande Depressão. Em 1934, sob a presidência de Franklin D. Roosevelt, os Estados Unidos, que não pertenciam à Sociedade das Nações, tornaram-se membros da OIT.

Em 1939, quando uma segunda Guerra parecia eminente, o americano John Winant foi eleito novo Diretor-Geral do BIT. Foi ele que, em maio de 1940, decidiu, por razões de segurança, transferir provisoriamente a sede da Organização para Montreal no Canadá.

O seu sucessor, o irlandês Edward Phelan, que tinha contribuído para a elaboração da Constituição da OIT em 1919, desempenhou de novo um papel de primeira importância durante a sessão da Conferência Internacional do Trabalho reunida em Filadélfia em 1944, quando a guerra se aproximava do seu fim. Os(as) delegados(as) tripartidos de 41 países presentes adotaram aí a Declaração de Filadélfia que, em anexo à Constituição, constitui ainda hoje a Carta dos Fins e Objetivos da OIT. Esta Declaração antecipou e serviu de modelo à Carta das Nações Unidas e à Declaração Universal dos Direitos do Homem. Nela se reafirmou que “o trabalho não é uma mercadoria».

Os anos do pós-guerra

Em 1946, a OIT assumiu-se como uma agência especializada do recém-criado sistema das Nações Unidas e, em 1948, ainda sob a direção de Phelan, a Conferência adotou a Convenção (no 87) sobre liberdade sindical.

David Morse foi o Diretor-Geral do BIT entre 1948 e 1970, período em que o número de Estados Membros duplicou, a Organização assumiu o seu carácter universal, enquanto o orçamento foi multiplicado por cinco e o número de funcionários(as) por quatro. Em 1961, foi instituída a primeira Comissão de Inquérito da OIT no seguimento de uma queixa contra Portugal apresentada pelo Gana pela prática sistemática de trabalho forçado nas ex-colónias portuguesas. Em 1965, a OIT abriria em Turim o seu Centro Internacional de Formação. A Organização recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1969, ano do seu 50° aniversário.

Sob a direção do francês Francis Blanchard (1973/89), que sucedeu a um curto período do britânico Wilfred Jenks (1970/73), a OIT conheceu uma enorme expansão do seu programa de cooperação técnica dirigido aos países em desenvolvimento. Foi também um período fortemente marcado pela chamada guerra fria, com a retirada temporária dos Estados Unidos (1977-1980) e o importante papel jogado pela OIT no apoio à liberdade sindical na Polónia reforçando a legitimidade do sindicato Solidarnosc. Durante o mandato de Francis Blanchard será assinado o primeiro Acordo Portugal/OIT (1982).

A OIT face à globalização

Em 1989, o belga Michel Hansenne é eleito Diretor-Geral do BIT. Ele vai conduzir a Organização durante o período do pós-guerra fria e de arranque de uma nova vaga de globalização, colocando a justiça social no centro das políticas económicas e sociais à escala internacional. Com ele se iniciou o processo que levou à adoção da Declaração relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. É também nesse período que a OIT vai conhecer uma profunda descentralização das suas atividades e dos seus recursos.

O seu sucessor, o chileno Juan Somavia, soube colocar a Organização no centro do debate internacional sobre a dimensão social da globalização. O seu Secretariado, o BIT, estruturou-se em torno do conceito integrador de “trabalho digno”. Por forma a prosseguir com maior eficácia a Agenda do Trabalho Digno, a OIT adotou na Conferência Internacional do Trabalho de 2008, a Declaração sobre a Justiça Social para uma Globalização Justa visando reforçar a capacidade da Organização. Uma síntese entre direitos políticos e direitos sociais, reafirmando os quatro objetivos estratégicos da OIT: emprego produtivo, direitos fundamentais, proteção social e diálogo social. Acentuou a importância do trabalho como meio de combate à pobreza e o papel da OIT na realização dos Objetivos do Milénio. Durante o seu mandato a OIT começou a ser convidada para as cimeiras do G20. Juan Somavia visitaria várias vezes Portugal tendo sido agraciado com o doutoramento Honoris Causa pela Universidade de Coimbra. É ainda durante esse período que se abre um Escritório da OIT em Lisboa.

Em Outubro de 2012, o britânico Guy Ryder assumiu a direção do BIT lançando uma profunda reforma interna do funcionamento da Organização e do seu secretariado. Com ele a visão da OIT foi colocada no centro da Agenda do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas 2030. Foi reeleito por cinco anos e conduz a Organização nas comemorações do seu Centenário em torno de um grande debate internacional sobre “o futuro do trabalho”. Visitou já Portugal por diversas vezes. Em 2013, veio a Lisboa apresentar o estudo “Enfrentar a crise do emprego em Portugal: Que caminhos para o futuro” com os constituintes tripartidos portugueses. Guy Ryder regressaria a Portugal em 2016 para participar numa conferência internacional sobre o futuro do trabalho, integrada nas comemorações do centenário do Ministério do Trabalho, e numa simulação da Conferência Internacional do Trabalho envolvendo cerca de 300 estudantes da Universidade de Coimbra. Em 2018, apresentou, em Lisboa, o estudo da OIT sobre Portugal "Trabalho Digno em Portugal 2008-18: Da crise à recuperação."