Reduzir idade mínima para o trabalho no Brasil seria um retrocesso, alerta OIT

Em audiência realizada hoje na Câmara dos Deputados, o Diretor Adjunto da OIT no Brasil, Stanley Gacek, explicou que reduzir a idade mínima para o trabalho violaria as normas internacionais ratificadas pelo país

Notícias | 14 de Julho de 2015
 O Diretor Adjunto da OIT no Brasil fala durante a audiência pública na Câmara dos Deputados
BRASÍLIA – "Não há outro estado membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que tenha feito tanto quanto o Brasil para incorporar o trabalho decente como uma referência para políticas públicas e legislação. A erradicação do trabalho infantil é um fundamento imprescindível desse conceito", afirmou o Diretor Adjunto e Oficial Encarregado do Escritório da OIT no Brasil, Stanley Gacek, durante a audiência pública realizada hoje (14/07) pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, para debater a redução do limite mínimo de idade para o trabalho de 16 para 14 anos, conforme proposto pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 18/2011 e suas apensadas.

A Convenção 138 da OIT, uma das convenções fundamentais ratificadas pelo Brasil, exige que os países estabeleçam uma idade mínima (não inferior a 15 anos) para a entrada no mercado de trabalho em todos os setores, e que esta seja elevada gradualmente. A única exceção seria no caso de países não desenvolvidos, que poderiam temporariamente estabelecer a idade mínima de 14 anos apenas no início, ou seja, no momento de ratificação da norma, o que não se aplica no caso atual do Brasil. “Um país que reduza a idade mínima, anos depois da ratificação da Convenção 138, estaria em contravenção direta da norma, e isto é exatamente o que faria a PEC 18/2011”, explicou Gacek.

A Convenção 138 também estabelece que a idade mínima para o trabalho deva ser igual ou superior à escolaridade mínima obrigatória. “Como em 2009 o Brasil elevou a escolaridade mínima de 14 para 17 anos, por meio da Emenda Constitucional 59/2009, nós deveríamos estar aqui hoje discutindo uma PEC para a elevação da idade mínima para 17 anos, e não uma redução para 14 anos”, lembrou o Diretor Adjunto da OIT.

Este compromisso assumido pelo Brasil, através da ratificação da Convenção 138, também foi destacado durante a audiência pela Secretária Executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa de Oliveira: “Para ser coerente, o Brasil deveria discutir uma PEC para aumentar a idade mínima para o trabalho. É consenso no FNPETI, um órgão com representantes do governo federal, de organizações de trabalhadores e empregadores, de entidades da sociedade civil, do sistema de Justiça e de organismos internacionais, que a PEC 18/2011 violaria os direitos fundamentais do adolescente”.


“Agora é a hora de avançar, não de retroceder”

A OIT considera o Brasil um país pioneiro e referência internacional nos esforços para a prevenção e erradicação do trabalho infantil. Nos últimos 20 anos, o Brasil reduziu o número de meninos e meninas de 5 a 17 anos que trabalham em 58%. São mais de cinco milhões de crianças a menos envolvidas no trabalho infantil do que em 1992. Atualmente, mais de 80% das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no Brasil tem entre 14 e 17 anos.

Para o Diretor Adjunto da OIT, isso significa que devemos priorizar o aperfeiçoamento dos processos de aprendizagem profissional, que já é permitida a partir dos 14 anos, facilitando a transição dos adolescentes da escola para o mercado, a partir da idade mínima de admissão, em condições de trabalho decente e com todas as proteções adequadas. “Em termos do direito internacional da OIT, a solução não pode e não deve ser a redução da idade mínima para o trabalho, mesmo sob o regime de tempo parcial, conforme proposto pela PEC 18/2011”, afirmou ele.

Além da Convenção 138 da OIT, o Brasil também ratificou a Convenção 182 sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil para qualquer pessoa com menos de 18 anos. As piores formas de trabalho infantil são as que apresentam riscos à saúde, segurança ou moralidade das crianças.

"Para a OIT, o Brasil tem todas as condições de se tornar um país inteiramente livre de trabalho infantil. No começo deste mês, o Brasil foi o anfitrião e o coordenador da Mesa de Cooperação Sul-Sul para acelerar a redução do trabalho infantil na região da América Latina e do Caribe, e também foi o anfitrião e o coordenador da III Conferência Global pela Erradicação do Trabalho Infantil, realizada em 2013”, lembrou Gacek. “A ONU está propondo que um de seus objetivos de desenvolvimento pós-2015 seja a promoção do trabalho decente, com a eliminação do trabalho infantil como uma meta central, e conta com a liderança do Brasil neste tema. Agora é a hora de avançar, não é a hora de retroceder”.


Direitos fundamentais individuais

Durante a audiência pública, o Procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Rafael Marques, explicou que a PEC 18/2011 e suas apensadas também violariam a proibição do retrocesso social, prevista na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e seu Protocolo Adicional de São Salvador, ambos ratificados pelo Brasil. “O direito ao não trabalho é reconhecido como um direito fundamental, portanto está protegido pelo princípio da proibição do retrocesso social, que visa à garantia e ao progresso de conquistas alcançadas”, explicou Marques.

Além disso, o Procurador lembrou que o direito ao não trabalho é protegido pela cláusula pétrea que limita alterações dos direitos e garantias fundamentais individuais previstos na Constituição. “Na visão do MPT, não há possibilidade de admitirmos a tramitação da PEC 18/2011 e suas apensadas, pois elas ferem cláusulas pétreas da Constituição e os direitos fundamentais individuais. Se estas PECs forem aprovadas pela Câmara, fatalmente estaremos retrocedendo”, afirmou ele.

A audiência pública realizada pela CCJC foi mediada pelo Deputado Luiz Couto e também contou com a participação da Coordenadora-Geral de Convivência Familiar e Comunitária da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria Izabel da Silva, e da Diretora de Cidadania e Direitos Humanos da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), Noêmia Porto.