Artigo de opinião

Em busca dos empregos perdidos na América Latina e Caribe

Vinícius Pinheiro é diretor da OIT para América Latina e Caribe.

Artigo | 8 de Abril de 2021
Há um ano, a COVID-19 desembarcou na América Latina e no Caribe, provocando uma crise de magnitude sem precedentes no mundo do trabalho. Dias após a OMS declarar uma pandemia em março de 2020, medidas emergenciais de saúde foram decretadas na grande maioria dos países da região. As ruas se esvaziaram, a atividade econômica parou.

Em 12 meses de pandemia, houve uma contração sem precedentes no nível de emprego: mais de 26 milhões de empregos desapareceram na região, de acordo com dados preliminares da OIT para todo o ano de 2020. Isso representa uma redução de quase 10% do emprego total.

Em geral, as pessoas que perdem o emprego continuam na força de trabalho em busca de outras oportunidades e por isso aparecem nas estatísticas como desempregadas. Nessa crise isso não aconteceu: cerca de 80% das pessoas que perderam seus empregos - o equivalente a mais de 20 milhões - deixaram o mercado de trabalho por falta de oportunidades, segundo dados coletados para um novo relatório regional da OIT previsto para sair no início de abril.

Essas saídas têm sido mais marcantes no caso dos jovens, ativando uma bomba-relógio que pode ter um impacto na estabilidade social e política da região.

O impacto também tem sido mais intenso para as mulheres devido à maior presença feminina em setores econômicos fortemente afetados por esta crise e às crescentes dificuldades em conciliar o trabalho remunerado com as responsabilidades familiares durante o confinamento. Em um ano, a região regrediu uma década em termos de igualdade de gênero.

Trata-se de um fato preocupante porque é por meio do emprego que as pessoas se conectam à economia e às suas comunidades: o trabalho decente é causa e consequência do crescimento inclusivo e sustentável. Além disso, as fontes de trabalho geram 80% da renda das famílias da região e a queda acentuada tem impactos sobre a pobreza e as desigualdades.

Embora a pandemia ainda provoque estados de emergência e confinamento, a economia começou a se movimentar e os processos de vacinação foram iniciados na maioria dos países. Agora é hora de reconstruir os empregos perdidos pela pandemia.

2021 deve ser o ano da vacinação e da recuperação econômica com a geração de empregos decentes. Na busca pela recuperação e pelos empregos perdidos, é inevitável abordar as condições pré-existentes na região, que são fundamentais para entender por que o impacto da pandemia sobre o emprego foi tão forte.

Muitos dos desafios que tínhamos antes da pandemia permanecem, embora sejam mais urgentes agora. Alta informalidade, reduzidos espaços fiscais, desigualdade persistente, baixa produtividade e baixa cobertura de proteção social, entre outros.

A COVID-19 invadiu a região em um cenário de crescimento lento que não permitia reduzir a informalidade que na época atingia com baixos salários, instabilidade laboral, falta de segurança ou direitos as possibilidades de avanço de metade da força de trabalho ocupada, que no final de 2019 era composta por cerca de 150 milhões de pessoas.

Quando foi declarada a emergência, fomos testemunhas do que acontece quando as pessoas precisam trabalhar todos os dias para se alimentar naquele dia, como costuma acontecer na informalidade, ou quando moram em locais onde o confinamento é impossível. Os trabalhadores que enfrentam as maiores vulnerabilidades no mundo do trabalho foram os mais atingidos. É por isso que a OIT alertou sobre a ampliação das desigualdades causada por esta pandemia.

A baixa capacidade fiscal dos países latino-americanos tem sido persistente nos últimos anos e ameaçava piorar antes da pandemia. Os problemas de baixo dinamismo econômico e arrecadação ineficiente de impostos não contribuíram para melhorar a situação.

Os governos usaram os recursos disponíveis para apoiar as pessoas e empresas. Mas tem sido difícil alcançar todos aqueles que precisam de apoio, a emergência se arrasta por muito mais tempo do que esperávamos e a necessidade de mais recursos ameaça com uma pandemia de dívida.

Às condições pré-existentes, somam-se novos desafios que também exigem atenção.

Durante a pandemia, o futuro do trabalho chegou sem avisar. A crise funcionou como uma aceleradora de tendências, colocando avanços inovadores e problemas estruturais seculares em primeiro plano.

O impulso ao teletrabalho e à digitalização convivem com a degradação das condições de trabalho nas plataformas digitais e com o aumento dos riscos de biossegurança e psicossociais ou com o aprofundamento da divisão digital. A segurança e a saúde no trabalho agora são prioridade máxima e adquirem uma nova dimensão: será aí que se travará a batalha definitiva contra a COVID-19.

Entre os efeitos mais perversos da pandemia está o risco de que cerca de 300.000 crianças sejam vítimas de trabalho infantil devido à combinação do fechamento de escolas com a redução generalizada da renda familiar. Esse não é apenas um retrocesso moral e ético, mas também se configura como a destruição do capital humano. O futuro está sendo hipotecado.

Diante de um cenário tão complexo, o diálogo social e a construção de novos consensos, pactos ou acordos tornam-se mais relevantes do que nunca no que tange as políticas de promoção do emprego decente e produtivo, a extensão da proteção social e o respeito aos direitos trabalhistas.

A busca por um normal melhor requer ações ambiciosas para nos recuperamos dos retrocessos no mundo do trabalho e potencializar as oportunidades relacionadas à transição digital, com maior formalização e produtividade.

Devemos estar preparados para tirar o emprego da terapia intensiva e, assim, evitar que o futuro do trabalho nos leve de volta ao século passado.


NOTA: Este artigo foi publicado na seção "Planeta Futuro" do jornal El País da Espanha.