COVID-19 e as PMEs no Brasil

Como os pequenos negócios estão sendo afetados pela pandemia de COVID-19 no Brasil?

Com o intuito de mitigar os impactos negativos da crise da COVID-19, os pequenos negócios vivenciam um amplo processo de readaptação por intermédio da adoção de diversas medidas, com destaque para o aprofundamento da transformação digital.

Análises | 16 de Julho de 2020
Foto: Yacine Imadalou/OIT
Por José Ribeiro1

Brasília - Desde o início da pandemia, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), em parceria com a
FGV Projetos, vem realizando pesquisas sobre o impacto da pandemia do coronavírus nos pequenos negócios. A quarta edição da pesquisa, entrevistou, via web, 7,7 mil empresários(as) entre os dias 29 de maio e 2 de junho de 2020, sobre os efeitos da pandemia nas suas empresas e sobre quais medidas estão sendo tomadas para tentar mitigá-los.

Uma importante dimensão trazida pela pesquisa é o impacto da pandemia no funcionamento ao evidenciar que 39% dos empreendedores declararam que os seus pequenos negócios não conseguem funcionar sem ser de forma presencial, ou seja, as medidas de restrição impedem que o empreendimento funcione. Em função disto, no âmbito da operação e funcionamento, 43% estão temporariamente fechadas, significando que mais empresas que estavam fechadas voltaram a funcionar, já que na edição anterior da pesquisa a interrupção temporária era de 46%. Entre os segmentos econômicos, os maiores percentuais de empreendimentos que estavam temporariamente fechados eram observados entre as academias e atividades físicas (68%), o turismo (66%) e a economia criativa (eventos e produções), com 62%.

Diante deste contexto de suspensão temporária das atividades, da insuficiente compensação das vendas para os pequenos negócios que adotaram meios digitais e da redução da demanda decorrente das restrições, 87% declararam que o faturamento mensal caiu comparativamente a um mês normal. Com o intuito de mitigar os impactos negativos da crise da COVID-19, os pequenos negócios vivenciam um amplo processo de readaptação por intermédio da adoção de diversas medidas na qual se destaca o aprofundamento da transformação digital, tanto na área da venda de bens e serviços quanto na área da gestão.

Com efeito, segundo a Pesquisa do SEBRAE/FGV, mais empresas estão vendendo por intermédio das redes sociais: antes eram 47% e atualmente são 60%. O WhatsApp (85%) é o principal meio de venda pelas redes sociais, seguido pelo Instagram (49%) e Facebook (48%). 

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A pesquisa indica também que 3% dos pequenos negócios decidiram fechar definitivamente, sendo que a maior incidência (5% do total) se observava nos segmentos da Indústria alimentícia, dos Serviços de alimentação e de Indústria-outros. Quando perguntados sobre o que mais teria ajudado a empresa não fechar, 43% responderam apoio financeiro do governo e 18% empréstimo bancário, sendo que outros 19% mencionaram que nada teria ajudado e 5% melhor gestão do negócio. Ainda entre os empreendimentos que fecharam, 35% dos/as empreendedores/as disseram que irão procurar emprego, 17% pretendem virar autônomo, 14% criar negócio informal e 12% abrir outra empresa.

Tratando-se dos efeitos da pandemia sobre o emprego e a ocupação é importante ressaltar que, no Brasil, um pouco mais da metade dos pequenos negócios (51%) não possui funcionários, sendo tal percentual bastante influenciado pelos MEIs (76% não contam com funcionários), já que que nas Microempresas e nas Empresas de Pequeno Porte os percentuais são bem menores – 23,5% e 6,5% respectivamente.

Na segunda edição da pesquisa, realizada entre 03 e 04 de abril de 2020, a proporção de pequenos negócios sem funcionários era de 45%, ou seja, seis pontos percentuais a menos em relação à atual pesquisa (4ª edição), revelando o efeito das demissões. De fato, nos 30 dias anteriores à realização da quarta edição da pesquisa, em média, 2,5 funcionários com carteira de trabalho assinada foram demitidos.Os segmentos econômicos com a maiores médias de pessoas demitidas eram o de Economia criativa (4,6), Turismo (3,3), Serviços pessoais (3,0) e Serviços de alimentação (3,0). 

Saúde, segurança e endividamento

Tratando-se da segurança no local de trabalho, mais de 2/3 dos empreendimentos afirmaram já terem adotado protocolos de segurança e higiene no combate à pandemia de COVID-19. Cerca de 80% já estão disponibilizando álcool gel para clientes e colaboradores, mantendo o ambiente arejado e limpando o ambiente de trabalho com maior frequência. O distanciamento mínimo entre clientes e colaboradores/as e o fornecimento de máscaras de proteção para os/as colaboradores/as já foram implementados em 66% dos negócios.

Acerca do endividamento, 41% dos pequenos negócios possuem dívidas em atraso, o que acarreta maior dificuldade de acesso ao crédito. Desde o começo da crise, 39% tentaram acessar crédito/empréstimo em banco e, entre estes, os resultados foram os seguintes: apenas 16% conseguiram o empréstimo, 27% seguiam aguardando uma resposta e 57% não tinham conseguido. Em termos numéricos, entre as 6,7 milhões de empresas que realizaram pedido de empréstimo, apenas um milhão conseguiu.

Tais resultados apontam para pelo menos dois desafios imediatos. Primeiramente, a existência de uma significativa proporção de pedidos de empréstimo negado e, em segundo lugar, o expressivo percentual de solicitações de crédito aguardando resposta. De acordo com as respostas dos empreendedores que tiveram empréstimo recusado os principais motivos foram: 19% estão negativados no mercado por conta de débitos anteriores; para 11% faltaram garantias ou avalistas; 10% consideraram altas as taxas de juros praticadas. Ademais, chamava a atenção o percentual (14%) daqueles que alegaram não saber a razão da recusa de concessão do crédito.

Foto: Miguel Medina/AFP

Outra importante informação trazida pela pesquisa do SEBRAE/FGV, são as respostas daqueles que buscaram empréstimo em banco acerca do montante de recursos financeiros necessários mensalmente para que os negócios não fechem. Entre os MEI, 22% necessitariam de até R$ 5 mil mensais e 60% entre mais do que R$ 5 mil até R$ 20 mil. Já entre as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, 3% demandariam até R$ 5 mil por mês; 60% entre mais de R$ 5 mil até R$ 20 mil e para 15% os valores médios necessários seriam entre mais de R$ 20 mil até R$ 100 mil.

O conjunto destas informações são imprescindíveis para o desenho de iniciativas direcionadas a facilitar o acesso dos pequenos negócios aos serviços financeiros, já que, no contexto da atual crise, a queda significativa do faturamento e a indisponibilidade de capital de giro criam enormes dificuldades para que os/as empreendedores/as possam manter seus negócios em funcionamento, sobretudo durante os primeiros meses da crise. Conforme também demonstrado pela pesquisa SEBRAE/FGV, há ainda desconhecimento por parte dos pequenos negócios acerca das medidas disponibilizadas de apoio à manutenção do emprego e dos salários.

Ciente desta imperiosa necessidade, o Governo Federal anunciou (em 10 de junho) mais uma medida de apoio aos pequenos negócios: a criação do Fundo Garantidor de Operações (FGO), que se constitui numa linha de crédito concedida no âmbito do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (PRONAMPE). Mediante aporte do Tesouro Nacional da ordem de R$ 15,9 bilhões a linha de permitirá o apoio a cerca de 4,5 milhões de pequenos negócios. O Governo Federal vai garantir 100% de cada operação até o limite de 85% da carteira. O valor liberado corresponderá a até 30% da receita bruta anual da empresa calculada com base no exercício de 2019.

Para os empreendimentos que foram criados há menos de um ano, o valor poderá ser de 50% do capital social ou de 30% da média de faturamento mensal, depende do que for mais vantajoso para a empresa. A taxa de juros anual máxima será igual à taxa básica de juros da economia (Selic) - atualmente em 3% ao ano - acrescida de 1,25% sobre o valor concedido, com prazo de 36 meses para o pagamento e carência de oito meses. Com o intuito de assegurar o pleno conhecimento da medida e facilitar e agilizar o acesso, a Receita Federal está enviando comunicados para o conjunto dos 4,5 milhões de pequenos negócios, informando inclusive qual o limite de crédito que poderão solicitar nesta linha. Tal medida é de suma importância já que, segundo a pesquisa SEBRAE/FGV, 71% dos empreendedores responderam que não conhecem o PRONAMPE.

As mulheres são mais afetadas pela crise também nos pequenos negócios


Foto: KM Mpofu/OIT

Há segmentos populacionais que são mais vulneráveis aos resultados negativos do mercado de trabalho em tempos de crise, em função, sobretudo, das características pré-existentes. As mulheres, historicamente, já possuem taxas de desemprego e de informalidade mais elevadas, estão proporcionalmente ocupadas em postos de trabalho mais precários com salários e rendimentos mais baixos. As mulheres também possuem maior participação no setor de saúde, que está na linha de frente para lidar com a pandemia e contam com uma sobrecarga de trabalho por serem tipicamente consideradas responsáveis pela maioria das tarefas de cuidado e responsabilidades familiares.

Com base nas tabulações especiais por sexo da Pesquisa do SEBRAE/FGV é possível visualizar que os pequenos negócios sob responsabilidade feminina são mais vulneráveis. De fato, as mulheres foram mais afetadas pela crise (48% fecharam “temporariamente” ou “de vez” contra 43,6% nos homens). Com relação ao endividamento, a proporção de mulheres com dívidas em atraso (42%) é maior que a encontrada entre os homens (39,5%).

No contexto da crise, as empreendedoras pretendem recorrer menos a empréstimos do que os homens, numa magnitude de quase dez pontos percentuais: 34% versus 43,5%. A vulnerabilidade feminina no contexto da crise também se manifesta no tipo de pequeno negócio - há proporcionalmente mais MEI (63% entre as mulheres contra 51% nos homens) e maior participação no comércio, que é um dos setores mais impactados pela atual pandemia (51% contra 41% entre os homens).


Oficial Nacional de Geração e Análise de Dados para a Promoção do Trabalho Decente e Coordenador da Área de Conhecimento para a Promoção do Trabalho Decente, do Escritório da OIT no Brasil. O autor agradece o apoio do Especialista em Pequenos Negócios do SEBRAE, Sr. Ítalo Guanais Pereira.