Artigo de opinião

Mais empregos, mais empresas e mais verde

Neste Dia Mundial do Trabalho Decente, comemorado em 7 de outubro, à medida que governos, empresas e trabalhadores ao redor do mundo tentam determinar como será a reconstrução na pós-covid, temos a oportunidade de refletir sobre como reequilibrar nossa relação com o meio ambiente de forma a criar empregos sustentáveis, crescimento inclusivo e sistemas sociais equitativos.

Artigo | 7 de Outubro de 2020
Foto: Marcel Crozet/OIT

Por Martin Georg Hahn, Diretor do Escritório da OIT no Brasil*


Em curto período de tempo, a pandemia expôs as múltiplas ligações entre saúde pública, economia e meio ambiente. Esses elos representam desafios significativos para o mundo do trabalho.

Pesquisas recentes acerca do impacto das mudanças climáticas sobre o trabalho estimam que 1,2 bilhão de empregos — aproximadamente 40% da força de trabalho global — estão em risco por causa da degradação ambiental. Se não forem enfrentadas, estima-se que as mudanças climáticas tenham implicações negativas para o crescimento econômico, saúde humana, empregos e meios de subsistência.

Em resposta à crise deflagrada pela pandemia, os governos ao redor mundo demonstraram a capacidade de adotar medidas extraordinárias para proteger as sociedades das sérias ramificações econômicas, trabalhistas e de saúde da crise.

Os impactos da COVID-19 sobre as economias, a renda e emprego das pessoas têm sido brutais. Dados da OIT revelam que a renda global do trabalho diminui 10,7%, ou US$ 3,5 trilhões, nos primeiros três trimestres de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019. Nas Américas, a perda de renda chegou a 12,1%.

Estimativas da OIT mostram ainda perdas globais de horas de trabalho de 17,3%, o equivalente a 495 milhões de empregos em tempo integral no segundo trimestre de 2020. Para os terceiro e quarto trimestres, respectivamente, prevê-se perda mundial de horas de trabalho de 12,1%, ou 345 milhões de empregos em tempo integral, e de 8,6% ou 245 milhões de empregos em tempo integral.

Uma razão para as altas estimadas nas perdas de horas de trabalho é que os trabalhadores em economias em desenvolvimento e emergentes, especialmente aqueles com empregos na economia informal, foram muito mais afetados que em crises anteriores.

Em todos os países, grupos populacionais específicos são mais vulneráveis. Trabalhadores mais velhos e trabalhadores com condições de saúde pré-existentes enfrentam risco maior de desenvolver problemas de saúde. Trabalhadores jovens, que já enfrentavam altas taxas de desemprego e subemprego, estão mais expostos à queda na demanda de trabalho.

Também a respeito de empresas estamos observando efeitos diferenciados da crise. Micro, pequenas e médias empresas, que respondem por dois terços dos empregos em todo o mundo, estão particularmente em perigo: elas representam cerca de 70 % do emprego global no comércio varejista e quase 60 % no setor de hospedagem e serviços de alimentação, alguns dos setores mais afetados pela pandemia.

Neste Dia Mundial do Trabalho Decente, comemorado em 7 de outubro, à medida que governos, empresas e trabalhadores ao redor do mundo tentam determinar como será a reconstrução na pós-COVID, temos a oportunidade de refletir sobre como reequilibrar nossa relação com o meio ambiente de forma a criar empregos sustentáveis, crescimento inclusivo e sistemas sociais equitativos. Nosso desafio agora é tornar o mundo do trabalho mais verde na construção de novo e melhor futuro.

Na América Latina e no Caribe, a região com a maior biodiversidade do planeta, tornar o mundo do trabalho mais verde no pós-pandemia poderia criar milhões de empregos. Segundo recente estudo da OIT e do BID, a transição para uma economia com zero emissões líquidas de carbono criaria 15 milhões de empregos líquidos na região até 2030.

Isso consistiria em 22,5 milhões de novos empregos na agricultura e na produção de alimentos vegetais, eletricidade renovável, silvicultura, construção e manufatura, ao passo que 7,5 milhões de empregos na produção de alimentos de base animal e extração de combustível fóssil e eletricidade desapareceriam.

No entanto, criar mais empregos nos setores verdes emergentes não é, necessariamente, criar número maior de empregos decentes, a menos que a ação seja orientada por políticas apropriadas. Por isso, são necessárias políticas públicas que facilitem a realocação de trabalhadores, promovam o trabalho decente nas zonas rurais, ofereçam novos modelos de negócios, e melhorem a proteção social e o apoio às pessoas deslocadas, às empresas, às comunidades e aos trabalhadores.

A retomada da economia traz oportunidades para o desenvolvimento de políticas públicas e privadas para enfrentar a atual crise de mudança climática e promover a transição gradual para uma economia verde. A reconstrução do sistema produtivo deve lançar as bases para produção e consumo ambientalmente sustentáveis e socialmente inclusivos à medida que avançamos para o futuro.

É fundamental integrar a proteção do meio ambiente aos planos de recuperação econômica e às estratégias de desenvolvimento de longo prazo, a fim de aproveitar a reconstrução do sistema produtivo como oportunidade para acelerar a transição para uma economia verde, que gere empregos, ajude a reduzir a desigualdade e atenda aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

No entanto, a recuperação verde não será sustentável se não levar em consideração as dimensões econômicas e sociais. Como única organização tripartite dentro do sistema da ONU, a OIT desempenha papel crucial ao promover o diálogo social em torno de nova abordagem que inclua a resiliência econômica, a saúde humana e a sustentabilidade ambiental. O envolvimento de governos, organizações de empregadores e trabalhadores será indispensável para moldar coletivamente um futuro do trabalho sustentável.

Para responder aos desafios atuais e futuros, precisamos criar um ambiente propício para o desenvolvimento empresarial sustentável e uma estrutura legal que promova o investimento verde, a produção sustentável e a erradicação da pobreza. A trajetória rumo a economias verdes não será fácil nem suave, mas é o único caminho para um futuro do trabalho economicamente resiliente, ambientalmente sustentável e socialmente inclusivo.

* Artigo de opinião publicado no jornal Correio Braziliense, em 7 de outubro de 2020 https://bit.ly/3lsUIeJ