Artigo de opinião

A COVID-19 pôs em evidência a fragilidade de nossas economias

A pandemia não é apenas uma crise de saúde, é também uma crise social e econômica, afirma o diretor-geral da OIT, Guy Ryder. Para que nossa resposta seja eficaz, ela deve levar em consideração todos esses fatores e deve ser realizada de maneira coordenada e abrangente. Em particular, deve responder às necessidades das pessoas mais vulneráveis.

Comentários | 30 de Março de 2020
Guy Ryder, Diretor-geral da OIT
Por Guy Ryder, diretor-geral, Organização Internacional do Trabalho

As dimensões humanas da pandemia de COVID-19 em muito excedem o escopo da resposta crítica à saúde. Todos os aspectos do nosso futuro serão afetados - econômico, social e de desenvolvimento. Nossa resposta deve ser urgente, coordenada e em escala global e deve fornecer ajuda imediata aos mais necessitados.

Para fazer isso corretamente em todas as áreas, dos locais de trabalho às empresas, nas economias nacionais e internacional, é necessário um diálogo social entre os governos e os que estão na linha de frente: empregadores e trabalhadores. Isto para que 2020 não seja uma repetição dos anos trinta.

A OIT estima que até 25 milhões de pessoas poderiam ficar desempregadas e que a perda de rendimentos dos trabalhadores possa chegar a 3,4 trilhões de dólares. No entanto, já está ficando claro que esses números podem subestimar a magnitude do impacto.

Essa pandemia expôs sem piedade as profundas falhas nos nossos mercados de trabalho. Empresas de todos os tamanhos já interromperam as operações, reduziram a jornada de trabalho e demitiram funcionários. Muitas estão à beira do colapso, na medida em que lojas e restaurantes fecham, voos e reservas de hotéis são cancelados e as empresas optam por trabalhar remotamente. Frequentemente, os primeiros a perder o emprego são aqueles cujo emprego já era precário: vendedores, garçons, auxiliares de cozinha, bagageiros e faxineiros.

Em um mundo onde apenas uma em cada cinco pessoas é elegível a receber auxílio-desemprego, as demissões significam catástrofe para milhões de famílias. Por não ter direito a licenças médicas remuneradas, muitos prestadores de serviços de cuidados e de entregas, pessoas das quais todos dependemos agora, estão constantemente sob pressão para continuar trabalhando, mesmo que estejam doentes.

No mundo em desenvolvimento, trabalhadores pagos por peça, diaristas e comerciantes informais podem ser igualmente pressionados pela necessidade de alimentar a família. Todos nós sofreremos com essa situação. Isso não apenas aumentará a disseminação do vírus, mas, a longo prazo, ampliará drasticamente os ciclos de pobreza e desigualdade.

Temos a oportunidade de salvar milhões de empregos e de empresas, se os governos agirem com determinação para garantir a continuidade dos negócios, impedir demissões e proteger os trabalhadores vulneráveis. As decisões que eles adotam, hoje, determinarão a saúde de nossas sociedades e economias nos próximos anos.

Políticas fiscais e monetárias expansionistas sem precedentes são essenciais para impedir que a atual queda acentuada se converta em uma recessão prolongada. Devemos garantir que as pessoas tenham dinheiro suficiente no bolso para chegar ao fim do mês. Para isso, temos de assegurar que as empresas, fonte de renda para milhões de trabalhadores, possam permanecer à tona durante a forte crise e estejam em condições de voltar a funcionar assim que as condições permitirem.

Em particular, serão necessárias medidas personalizadas para os trabalhadores mais vulneráveis, incluindo trabalhadores por conta própria, em regime de meio período e os que têm emprego temporário, que podem não reunir os requisitos para obter um seguro-desemprego ou de saúde e que são mais difíceis de alcançar.

Enquanto os governos tentam achatar a curva ascendente da infecção, necessitamos de medidas especiais para proteger os milhões de profissionais de saúde e de assistência médica (a maioria mulheres), que arriscam a própria saúde todos os dias. Caminhoneiros e marítimos, que entregam equipamentos médicos e outros itens essenciais, precisam e devem estar adequadamente protegidos.

O teletrabalho oferece novas oportunidades para os trabalhadores continuarem em atividade e os empregadores seguirem com os negócios durante a crise. No entanto, os trabalhadores devem ser capazes de negociar esses arranjos a fim de manter o equilíbrio com outras responsabilidades, como cuidar dos filhos, de doentes ou idosos e, é claro, deles próprios.

Muitos países já introduziram pacotes de estímulo sem precedentes para proteger as sociedades e economias e manter o fluxo de renda para os trabalhadores e as empresas. A fim de maximizar a eficácia dessas medidas, é imperativo que os governos trabalhem com organizações de empregadores e sindicatos para encontrar soluções práticas, que mantenham as pessoas seguras e protejam os empregos.

Essas medidas incluem apoio à renda, subsídios salariais e subsídios para demissões temporárias para aqueles com emprego formal, créditos fiscais para trabalhadores por conta própria e apoio financeiro a empresas.

Além de medidas nacionais fortes, ação multilateral decisiva deve ser a pedra angular de uma resposta global a um inimigo global. Nestes tempos sumamente difíceis, vale recordar um princípio estabelecido na Constituição da OIT: a pobreza em qualquer lugar é uma ameaça à prosperidade em todos os lugares.

Isso nos lembra que, nos próximos anos, a eficácia da resposta a essa ameaça existencial pode ser julgada não apenas pela escala e pela velocidade das injeções de dinheiro, ou pela curva de recuperação plana ou íngreme, mas pelo que fizemos pelas pessoas mais vulneráveis.


Artigo de opinião publicado no jornal Correio Braziliense em 30 de março de 2020.