Lacunas de gênero persistentes no trabalho exigem a adoção de medidas transformadoras na América Latina e no Caribe

As mulheres ganham por hora trabalhada 17% a menos do que os homens e, apesar do aumento da participação feminina no mercado de trabalho, ainda estão longe da equidade. Novo relatório da OIT apresenta propostas para enfrentar os desafios no alcance da igualdade no futuro do trabalho na região.

Notícias | 27 de Agosto de 2019
Lima – A persistência de lacunas de gênero e a evidência de que a igualdade entre homens e mulheres no trabalho está tardando mais do que esperado para ser alcançada exigem que os países da América Latina e do Caribe adotem uma série de medidas transformadoras para abordar tanto os desafios de políticas de emprego como fatores considerados “não observáveis”, destacou a OIT nesta terça-feira.

Para cada hora trabalhada, as mulheres recebem uma renda do trabalho que é, em média, 17% inferior à dos homens com a mesma idade, nível educacional, presença de crianças em suas casas, condição rural e tipo de trabalho, destacou um novo relatório regional da OIT, divulgado hoje na capital do Peru.

Após aumentar significativamente até o ano 2000, a participação da mão de obra feminina cresceu muito lentamente deste então e atingiu 50,3%, de acordo com os últimos indicadores, 25 pontos percentuais abaixo dos homens, segundo o relatório em espanhol Panorama Laboral Temático “Mulheres no mundo do trabalho: desafios pendentes para uma equidade efetiva na América Latina e no Caribe” (Panorama Laboral Temático “Mujeres en el mundo del trabajo. Retos pendientes hacia una efectiva equidad en América Latina y el Caribe”)

“Embora seja verdade que houve avanços muito importantes na incorporação das mulheres ao trabalho, o caminho para a igualdade ainda é longo, e, às vezes, íngreme", disse Juan Hunt, Diretor Regional a.i. da OIT para a América Latina e o Caribe ao apresentar o relatório que destaca várias dimensões de uma “segregação ocupacional”.

“O relatório que apresentamos alerta que as diferenças de gênero constituem hoje uma das formas de desigualdade injustificável. E é claramente um fato que conspira contra a possibilidade de construir sociedades mais prósperas, justas e coesas ”, acrescentou Hunt.

O relatório da OIT destaca a necessidade de uma renovação dos instrumentos de políticas públicas e enfatiza a necessidade de reconhecer que "uma parte importante das limitações do progresso das mulheres reside nos lares", em particular porque a distribuição por gênero das tarefas domésticas ainda é esmagadoramente desigual. “As mulheres são responsáveis por 80% das tarefas domésticas, o que restringe sua participação efetiva no mundo do trabalho”, destaca o documento.

O relatório ressalta ainda que lacunas salariais persistem, apesar de as tendências de longo prazo mostrarem mudanças significativas, como, por exemplo, no caso da educação, área em que o número de mulheres com estudo superior excede o dos homens. Entre os nascidos em 1990, 40% das mulheres trabalhadoras têm educação superior, em comparação com 25% dos homens, destaca o estudo.

Com base nas diferenças detectadas na renda do trabalho, o relatório da OIT explora várias dimensões do hiato de gênero, a fim de identificar as maiores vulnerabilidades e essas informações podem ser úteis ao desenho de políticas e estratégias para intervenção.

“Políticas ativas de emprego são necessárias para apoiar a inserção das mulheres no mercado de trabalho, assim como serviços de informação e de orientação que contemplem as necessidades específicas das mulheres, programas de capacitação e de formação para melhorar a sua empregabilidade, e programas específicos para atender, principalmente, às necessidades de mulheres afetadas pela desigualdade (migrantes, jovens, mulheres rurais e trabalhadoras agrícolas)”, disse o economista regional da OIT, Hugo Ñopo.

Os dados analisados no relatório, coordenado por Ñopo, permitem detectar onde a diferença de renda é maior, ao destacar “padrões diferenciados”. A desigualdade, por exemplo, é mais acentuada entre os 20% dos trabalhadores de baixa renda, ou entre trabalhadores rurais autônomos.

Uma lacuna salarial elevada também foi identificada “na área situada em torno do salário mínimo”, o que se atribui ao fato de que um alto nível de informalidade também gera altos níveis de descumprimento no pagamento de remuneração.

“O problema das lacunas de gênero está associado ao da pobreza”, disse Ñopo.

Ele destacou que, para impulsionar mudanças que levem à igualdade, é necessário enfrentar os “fatores não observáveis que estão por trás das disparidades salariais de gênero e do tratamento diferenciado em relação às mulheres na América Latina e no Caribe”.

Entre esses fatores, o relatório destaca:

  • Estereótipos: presença de vários tipos de vieses cognitivos e de discriminação;
  • Comportamentos: aspirações, habilidades de negociação e aversão ao risco;
  • Normas sociais: divisão sexual do trabalho e novos arranjos familiares.
O relatório aborda ainda o trabalho de cuidado não remunerado e a participação trabalhista. "A maior parte do trabalho de cuidado em todo o mundo é realizada por cuidadoras e cuidadores não remunerados, que são, em sua maioria, mulheres e meninas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos”. Isso obriga mulheres trabalhadoras a buscar flexibilidade em seus arranjos de trabalho e “elas tendem a aceitar empregos em condições inferiores comparado aos homens e com menor poder de negociação”.

O novo relatório do Escritório Regional da OIT insere-se nas comemorações do Centenário da OIT e revisa uma série de Convenções e Recomendações adotadas desde 1919 para promover a igualdade de gênero. O estudo inclui um capítulo sobre o futuro do trabalho e os desafios e as oportunidades decorrentes das profundas mudanças. Se medidas adequadas não forem adotadas, o risco é que as lacunas de gênero sejam perpetuadas.

Por fim, o relatório apresenta uma série de conclusões e recomendações da OIT sobre como enfrentar o desafio de acelerar a igualdade de gênero nos mercados de trabalho. O documento destaca que "melhorar a divisão de tarefas domésticas é, provavelmente, a mudança cultural mais importante para o progresso na igualdade de oportunidades".