Seminário reúne acadêmicos e representantes tripartites para discutir o Futuro do Trabalho

“O dilema entre crescimento e conservação dos recursos é uma dicotomia falsa: a economia verde pode alavancar tanto a inclusão social quanto a geração de empregos”, afirmou o Diretor da OIT no Brasil durante o evento.

Notícias | 1 de Dezembro de 2016
© O Diretor da OIT no Brasil, Peter Poschen, fala durante a abertura do seminário.
No âmbito da Iniciativa do Centenário da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o Futuro do Trabalho e das comemorações dos 70 anos da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), foi realizado no dia 21 de novembro o seminário “Diálogos Nacionais sobre o Futuro do Trabalho”. O evento reuniu na Sala de Congregação da FEA-USP, em São Paulo, mais de 60 especialistas, acadêmicos e representantes do governo, da sociedade civil e de organizações de empregadores e de trabalhadores.

Durante a cerimônia de abertura, o Diretor do Escritório da OIT no Brasil, Peter Poschen, lembrou que a OIT é uma organização do século XX e que as mudanças ocorridas nos últimos 30 anos trazem desafios nunca antes vistos, como o fenômeno migratório mais acentuado dos últimos 1.500 anos e novos modelos de negócios. “Para onde vai o mundo do trabalho no século XXI, com tantos efeitos sistêmicos?”, questionou Poschen. “Os países e as sociedades, com seus valores, mudam de maneira não linear e descontínua, o que demanda um novo pensamento sobre a governança adequada para o mundo do trabalho”.

O Professor da FEA-USP, Jacques Marcovitch, também participou da mesa de abertura. Ele ressaltou as importantes contribuições trazidas pelos estudos da OIT e falou sobre o momento atual que vivemos: “Temos dois legados de reflexões posteriores à segunda Guerra Mundial, que resultaram na Declaração Universal dos Direitos Humanos e, mais recentemente, nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. Em ambos os casos, o tema do trabalho aparece na necessidade do trabalho decente e do emprego pleno”.

Futuro do Trabalho

O Diretor Geral da OIT, Guy Ryder, lançou a Iniciativa do Centenário sobre o Futuro do Trabalho para envolver a estrutura tripartite da OIT numa ampla discussão sobre o assunto, além do mundo acadêmico, da sociedade civil e de outros atores relevantes e interessados. Como parte desta iniciativa, todos os Estados Membros da OIT foram convidados a organizar diálogos nacionais em quatro áreas temáticas: trabalho e sociedade, trabalho decente para todos, a organização do trabalho e da produção e a governança do trabalho.

Os diálogos estão sendo realizados em mais de 130 países e seus resultados informarão o Comitê de Alto Nível da OIT sobre o Futuro do Trabalho e a Conferência Internacional do Trabalho de 2019, ano em que a OIT comemorará seu Centenário. O Escritório da OIT no Brasil começou a mobilização nacional para a iniciativa em maio de 2016, quando foi realizado o primeiro diálogo nacional sobre o tema “organização do trabalho e da produção”. O seminário de novembro na FEA-USP abordou dois temas num só dia: “trabalho e sociedade” e “trabalho decente para todos”. O último diálogo nacional, sobre “governança do trabalho”, está programado para acontecer no Rio de Janeiro em 2017.

Espaço de Reflexão Tripartite

© A Coordenadora da Comissão Estadual de Trabalho Decente do Estado de São Paulo, Letícia Mourad, participou do Espaço de Reflexão Tripartite.
Após a cerimônia de abertura, o seminário contou com um Espaço de Reflexão Tripartite com representantes do estrutura tripartite da OIT: governos, organizações de empregadores e de trabalhadores.

A Coordenadora da Comissão Estadual de Trabalho Decente do Estado de São Paulo, Letícia Mourad, contou que o governo estadual trata do tema do trabalho decente desde 2013, com a realização da Conferência Estadual de Trabalho Decente e a articulação da Agenda Estadual de Trabalho Decente, com quatro eixos estratégicos, que será monitorada a partir das metas do ODS 8 e com inclusão de outros ODS no futuro.

“O debate sobre o trabalho decente se dá mais na gestão pública e menos no mundo coorporativo e acadêmico. Por isso, fizemos uma elaboração de parâmetros para as empresas, resultando em cinco áreas de boas práticas: oportunidades de emprego, erradicação das piores formas de trabalho, combinação trabalho e vida familiar, equidade e saúde”, afirmou Mourad.

Ela adicionou que foi criado um grupo interestadual para debater os ODS e capacitar os membros da Comissão Estadual de Trabalho Decente e outras comissões: “Os ODS têm que pautar todas as políticas públicas. No futuro, essa iniciativa deve desencadear a institucionalização desses mecanismos, além de promover uma integração entre as áreas de governo e projetos e gerar um mapeamento de fontes para o monitoramento, principalmente para o mercado de trabalho a nível municipal”.

O Secretário para Assuntos Econômicos da União Geral dos Trabalhadores, José Roberto de Araújo Cunha, disse que o movimento sindical está atuando na área de trabalho decente, mesmo neste momento de crise: “O desenvolvimento do trabalho não é linear, e também há um foco gerado pelos ODS. Por isso, a UGT gostaria de levar esse debate do trabalho decente para as centrais sindicais de todo o país, já que ele ainda está concentrado nas lideranças sindicais”.

Já o Diretor Geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Rafael Lucchesi, destacou que a educação é o passaporte para a cidadania: “No entanto, o sistema excludente que existe hoje resulta de um modelo de ensino médio, técnico e superior que não atinge a população, com apenas 17% de brasileiros com ensino superior completo. (...) O enfoque na educação técnica é insuficiente, o que advém de um foco equivocado no ensino superior. Isso pode ser visto nas estatísticas de que 80 milhões de brasileiros não têm ensino médio e no grande problema da evasão escolar”.

Trabalho e Sociedade

© O painel de discussão do primeiro diálogo nacional realizado no seminário.
O primeiro diálogo do seminário teve o tema “Desenvolvimento Sustentável: Desafios e Oportunidades para o Futuro do Trabalho”. O Diretor da OIT no Brasil iniciou a discussão: “As mudanças atuais não tem a ver apenas com tecnologia, mas também com valores e expectativas da sociedade. Entre elas, renda adequada e segurança nacional. A riqueza que existe hoje no mundo supera níveis anteriores, mas com grande desigualdade, instabilidade e precariedade do acesso social”.

Para Poschen, o PIB per capita já não é um indicador válido para o futuro. “Por outro lado, não é possível mais ignorarmos o fato das mudanças climáticas que estão acontecendo, já que o limite do planeta está sendo superado, em termos de biodiversidade e de ciclos da água. Atualmente nós estamos na época antropocêntrica, na qual o homem dita a utilização dos recursos naturais”, adicionou.

O Diretor da OIT no Brasil ainda ressaltou que o Acordo de Paris e a Agenda 2030 da ONU podem representar o início de uma nova agenda, com metas adicionais necessárias. “A OIT considera que o dilema entre crescimento e conservação dos recursos é uma dicotomia falsa. Uma economia que consegue conter as emissões de gases na atmosfera, como a economia verde, pode alavancar a inclusão social e a geração de empregos. Isso acarreta, por outro lado, desafios como a reestruturação da economia”, afirmou.

O Professor da FEA – USP, Carlos Roberto Azzoni, trouxe para os participantes reflexões sobre as desigualdades em âmbitos regionais, com base em estudos sobre a queda da desigualdade nas regiões do Brasil. “Cerca de 25% da redução da desigualdade se deveu aos programas de redistribuição de renda, enquanto 75% foi em função do mercado de trabalho, com empresas contratando pessoas”, disse ele.

Azzoni também afirmou que em 40 anos foi acrescentado um contingente populacional nas cidades brasileiras comparável a um país grande, trazendo enormes consequências para o desenvolvimento urbano, já que as cidades têm que se adaptar a atividades econômicas com impactos ambientais diferentes.

O Professor da FEA – USP ainda falou sobre a mudança da qualidade do trabalho, que trouxe uma intensificação das habilidades motoras dos trabalhadores: “Nós estamos contratando cada vez mais pessoas que necessitam mais de habilidades motoras do que cognitivas e sociais. Isso pode significar uma redistribuição de renda na base da pirâmide social. Trata-se de uma mudança importante no tipo de trabalho do aparelho produtivo brasileiro. Além disso, o setor terciário cresceu enormemente nos últimos 15 anos, com pouca qualificação da mão de obra, o que é um elemento importante para a reflexão da inserção internacional do Brasil”.

O Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Professor da USP, José Goldemberg, lembrou que o Acordo de Paris “não tem ‘dentes’, não traz sanções. Já em 1992 as discussões sobre as mudanças climáticas apresentavam essa dificuldade de incluir ‘dentes’ nos acordos. O Protocolo de Kyoto foi uma tentativa feita de cima para baixo, com metas quantitativas temporais elaboradas pelos países desenvolvidos, deixando de fora os países em desenvolvimento. Hoje os países de fora da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) produzem emissões superiores aos países da OCDE, ou seja, as metas de cima para baixo não são o melhor caminho”.

Ele também discutiu a recente eleição norte-americana: “Acredito que a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos provavelmente não trará um grande impacto externo. Suas promessas internas são incompatíveis e contraditórias, ora privilegiando o carvão, ora privilegiando o gás (fracking). Além disso, federalismo americano garante que os estados não mudarão suas legislações ambientais facilmente”.

Após as apresentações dos palestrantes, os Professores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), Aron Belinky e Maria Tereza Leme Fleury, debateram os principais pontos levantados no diálogo, antes de iniciar uma rodada de perguntas dos participantes na plateia do evento.

Trabalho Decente para Todos e Todas

© O Diretor do Departamento de Pesquisa da OIT, Raymond Torres, introduziu o segundo diálogo do dia.
O segundo diálogo do seminário ocorreu no período da tarde e teve como foco a seguinte questão: “Quais serão as Fontes e as Formas dos Empregos no Futuro?”. O Diretor do Departamento de Pesquisa da OIT em Genebra, Raymond Torres, introduziu a discussão com uma apresentação sobre o futuro do trabalho que abordou três aspectos principais: padrões de emprego emergentes, mudanças na natureza do trabalho e questões de políticas decorrentes destas tendências.

“O mundo do trabalho está se transformando rapidamente, e de maneiras que exigem mudanças na forma como pensamos e agimos sobre o trabalho no futuro. A taxa de crescimento econômico global tem se estabilizado desde 2010, entre 2 e 2,5%. Isto coloca desafios significativos às empresas e aos trabalhadores. Precisamos nos perguntar que tipo de crescimento é necessário para criar empregos decentes”, afirmou Torres.

Segundo ele, a economia digital e verde está levando a um processo complexo de destruição criativa, com a criação de novos produtos, um maior espaço para serviços individualizados ao cliente e uma demanda menor por serviços que podem ser automatizados. Estas mudanças no emprego ocorrem no contexto do envelhecimento populacional generalizado. O fenômeno da migração também tem uma importância crescente, em face da mudança demográfica.

O Diretor do Departamento de Pesquisa da OIT afirmou que temos hoje um novo padrão de fragmentação do mundo do trabalho, com novas formas de organizar a produção e terceirizar tarefas, mudanças nas fronteiras das empresas e cadeias globais de valor que alocam tarefas de trabalho intenso nas economias emergentes, enquanto o design de produtos acontece nas economias avançadas. “Em países de baixa renda, há mais pessoas trabalhando em modelos diferentes do que em empregos tradicionais. Alguns veem vantagens na liberdade e na possibilidade de inovação. Por outro lado, alguns denunciam a falta de direitos trabalhistas e de previdência social”, disse ele.

Torres adicionou que o crescimento da classe média no mundo têm diminuído, o que apresenta ameaças à estabilidade e à coesão social. “Com os princípios fundamentais do direito do trabalho mudando, como podemos continuar a proteger as pessoas e nos adaptar às novas realidades? Como conquistar, por exemplo, a igualdade de condições na economia cooperativa? Como introduzir novos instrumentos normativos para cobrir novas formas de trabalho? Elas devem ser cobertas pela legislação trabalhista já existente, ou devemos criar uma nova maneira de responder aos trabalhadores que não são empregados, mas que também não trabalham por conta própria?”, questionou ele, lembrando que apenas 50% das pessoas que trabalham por conta própria tinha algum tipo de proteção social em 2013.

Para o Diretor do Departamento de Pesquisa da OIT, o papel das organizações de empregadores e trabalhadores também precisa ser discutido diante destas novas tendências, além do papel da própria OIT. “Um novo mundo está emergindo: temos a oportunidade de tornar o trabalho mais gratificante e verde, mas também há riscos em termos de inseguranças e desigualdades intensificadas. Precisamos de uma estratégia inovadora”, concluiu.

O Coordenador do Programa de Estudos do Futuro (Pro-Futuro) da USP, James Terrence Coulter Wright, apresentou um diagnóstico sobre os desafios da cidade de São Paulo até 2040 e os empregos do futuro, explorando quatro dimensões: mobilidade, inclusão social, urbanismo e atração de negócios.

© A platéia durante o seminário, realizado na FEA-USP.
Já o Professor Titular do Departamento de Economia da FEA–USP, Eduardo Amaral Haddad, falou sobre as perspectivas da urbanização no século XXI e suas implicações para o trabalho. “Mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas, e mais de 80% da população do Brasil vive em áreas urbanas. Em São Paulo, a evolução da população não foi acompanhada por uma melhora na infraestrutura”, disse Haddad.

Como consequência, houve uma série de mudanças estruturais na região metropolitana, como o esvaziamento dos empregos industriais, que estão em menos de 15% atualmente, aumentando a interdependência entre as regiões.

Além disso, atualmente 15% dos trabalhadores de São Paulo residem fora da cidade, segundo o Professor. “Temos uma separação entre o local de residência, o local de trabalho e o local de consumo. Os trabalhadores com maior renda estão mais concentrados nas proximidades dos empregos, e os de baixa renda dependem mais do transporte público. Portanto, há uma relação clara entre mobilidade urbana e produtividade do trabalho. Aproximar trabalhadores e firmas gera um match maior entre trabalhadores e local de trabalho, aumentando a produtividade”, afirmou Haddad.

Os participantes do seminário ainda assistiram a uma palestra do Professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, André Portela Fernandes de Souza, que apresentou o capítulo sobre emprego do Painel Internacional para o Progresso Social, coordenado pelo economista indiano Amartya Sen. Ao final, a Professora da FEA-USP Renata Narita atuou como debatedora e o diálogo foi encerrado com uma rodada de perguntas da plateia.