Trabalho infantil no Brasil persiste e requer atuação articulada e políticas públicas

Mais de três milhões de crianças ainda estão em situação de trabalho infantil no Brasil. O problema foi foco do debate promovido pelo Programa Arise em seminário realizado em Porto Alegre nos dias 18 e 19 de agosto.

Notícias | 1 de Setembro de 2016
Matheus Pinho
“O trabalho infantil é uma violação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes previstos na Constituição”. A afirmação é da Secretária Executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa de Oliveira. Conforme as estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014, havia 41,1 milhões de crianças no Brasil, entre as quais 3,3 milhões (8,1%) eram ocupadas. No entanto, de 1992 a 2015, houve uma redução contínua e lenta no número de trabalhadores infantis. A projeção é de que, em 2020, aproximadamente 1,9 milhão deste público ainda esteja na prática produtiva.


Conforme os dados apresentados por Isa, a Região Sul está em primeiro lugar em número de crianças trabalhando, com 10,2%, índice superior à média nacional. O Rio Grande do Sul é o quarto estado no número de casos de trabalho infantil (10,7%). “Crianças e adolescentes estão deixando de estudar para poder trabalhar”, afirma.

Já a Juíza do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), Andréa Sain Pastous Nocchi, aponta para uma grande dificuldade na coleta de dados sobre o problema, assim como relaciona este ao trabalho escravo, à falta de políticas públicas, à violência e à educação precária. Segundo ela, a aprendizagem é um fator importante para a redução do trabalho infantil, mas não é o único. Ela deve andar junto às políticas públicas e ao envolvimento da família. Andréa ressalta o fato de que o Brasil não conseguiu atingir a meta de erradicar as piores formas de trabalho de crianças e adolescentes em atividades produtivas até 2015, assim como havia se comprometido. Ela ainda defende que o objetivo só será alcançado com investimentos na educação.

A EDUCAÇÃO COMO FERRAMENTA PARA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL

A Doutora em Economia Aplicada pela University of Minessota e Pós-Doutorada em Ciências Sociais Aplicada na Inglaterra e Estados Unidos, Ana Lúcia Kassouf, resgatou o histórico do trabalho infantil no Brasil, que começou na escravidão e se consolidou na Revolução Industrial. Conforme ela, nos anos 90 começou o processo de redução do trabalho infantil em virtude do aumento do número de crianças na escola e da renda familiar. Já Tânia Fortuna, Coordenadora Geral do Programa de Extensão Universitária “Quem quer brincar”, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defende que o brincar é um direito da criança e um fator importante para o seu desenvolvimento. Segundo ela, transformações podem ocorrer através das práticas pedagógicas lúdicas.

O Ministro do Superior Tribunal do Trabalho, Lelio Bentes Corrêa, também defende a educação de qualidade e o respeito aos direitos humanos como ferramentas fundamentais para combater o trabalho infantil no Brasil. “Não se combate o trabalho infantil só com medidas imediatas. É fundamental que se invista em educação de qualidade, que se assegure a permanência destas crianças e adolescentes na escola e que elas tenham o direito a sua formação profissional, que está prevista na Constituição brasileira”, defende. O Brasil é o terceiro país do mundo em evasão escolar.  Para o ministro, os fatores econômicos, diretamente relacionados ao trabalho infantil, ganham mais força em épocas de crise. “Mais influente que o fator cultural, é o econômico. É necessário assegurar às famílias condições de emprego e renda para que elas possam ser agentes de resgate da sua própria cidadania”, frisa.

TRABALHO INFANTIL NA AGRICULTURA FAMILIAR

A perspectiva do trabalho infantil na agricultura familiar aponta para a necessidade de políticas públicas que tratem o meio rural igual ao meio urbano. Entre os desafios apontados por ele estão um projeto de vida com qualidade e felicidade para o jovem rural e fazer com que os adolescentes “tomem gosto” pela agricultura.  O professor e pesquisador da UFRGS, Sergio Schneider, aponta para diversos aspectos, entre eles, a necessidade de se continuar a reflexão da temática do trabalho infantil na agricultura familiar e os avanços no entendimento do que é trabalho neste setor. Schneider fez relação entre trabalho infantil e vulnerabilidade social, assim como aponta a necessidade do cumprimento da legislação de maneira global. E, ainda, defende que é preciso que as escolas urbanas abordem a agricultura familiar, com espaço de valorização e uma integração entre campo e cidade.

TRABALHO E ARTE

Já a advogada, mestre e doutoranda em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo, Sandra Cavalcante, aponta para as características do trabalho infantil artístico, mostrando os impactos que sua prática tem na vida das crianças, como a baixa no rendimento escolar e a mudança na convivência com os colegas. Segundo a pesquisadora, hoje não há uma regulamentação própria para o trabalho infantil artístico, o que faz com o que a criança fique sem proteção nesta atividade. “Atualmente, para que as crianças possam trabalhar no meio artístico é necessária apenas uma autorização judicial. No entanto, é preciso impor restrições”, afirma.

ARISE, UM PROGRAMA COM BONS RESULTADOS

São 2.230 crianças e adolescentes atendidos, mais de 600 mães treinadas para comercialização de panificação e compotas, 194 jovens (14 a 17 anos) formados e 520 professores capacitados. Estes números comprovam a transformação que o Programa Alcançando a Redução do Trabalho Infantil pelo suporte à Educação (ARISE) vem promovendo, desde 2012, nos municípios de Arroio do Tigre, Ibarama, Lagoa Bonita do Sul e Sobradinho, na Região Centro Serra do Vale do Rio Pardo, no Rio Grande do Sul.

Desenvolvido em parceria pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), ONG Winrock Internacional (WI) e Japan Tobacco International (JTI), o programa disponibiliza, no turno inverso ao das aulas, oficinas de artes, artesanato, pintura, violão, idiomas, educação ambiental, reforço escolar e informática. Além disso, mantém o Centro de Formação do Jovem Rural, em Arroio do Tigre, com cursos técnicos de qualificação. “Com o programa queremos rever conceitos para gerar mudanças. Isso é fundamental. Mentes abertas para fazer a diferença”, destaca o Diretor de Assuntos Corporativos e Comunicação da JTI, Flávio Goulart.
 
Os bons resultados alcançados pelo programa, que tem o apoio de diversas entidades e das prefeituras locais, estão registrados nos relatórios anuais, bem como no site oficial da iniciativa (www.ariseprogram.org). Conforme a diretora do Arise e coordenadora da ONG Winrock, Luísa Siqueira, para o início das atividades do programa foram realizadas pesquisas junto às comunidades alvo. As oficinas, as capacitações e todas as ações são realizadas conforme a realidade de cada localidade. “Todo o levantamento leva a um trabalho desenvolvido em cima de três pilares: educação, conscientização e sustentabilidade”, ressalta.  Neste sentido, a conscientização sobre o trabalho infantil ganhou destaque com a produção de um programa de rádio semanal, numa emissora local, produzido pelos próprios participantes e focado na divulgação das atividades dos conceitos relacionados ao tema do trabalho infantil.
 
A oficial de Projetos da OIT, Márcia Soares, destacou que a educação é o foco principal do Arise. “A escolarização é apenas um momento e a educação de forma integral e contextualizada é um direito fundamental. Por isso, reter a criança e o adolescente na escola é o caminho para combater e erradicar o trabalho infantil”, frisa.