Aproveitamento de cadeias globais de fornecimento na América Latina requer melhores políticas e governança

Cada vez mais trabalhadores e empresas da região participam de cadeias globais de fornecimento com importantes benefícios econômicos e de emprego, mas em alguns casos há preocupações com a qualidade dos postos de trabalho e com o respeito pelos direitos trabalhistas. Um novo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revisa experiências, extrai lições e faz recomendações para melhorar o aproveitamento da integração nessa cadeias.

Notícias | 2 de Agosto de 2016
Lima – As empresas e os trabalhadores da América Latina e do Caribe estão cada vez mais envolvidos em cadeias globais de fornecimento (CGF). Portanto, é necessário rever a forma como as empresas da região estão se incorporando a estes esquemas e suas consequências, não só para a recuperação econômica, mas também sobre três dimensões de melhoria social: emprego, condições de trabalho e habilidades ou competências laborais.

A OIT afirmou num novo relatório divulgado na semana passada que, para que a participação nas CGF constitua uma contribuição efetiva para o desenvolvimento sustentável, é essencial "que os países encontrem um equilíbrio entre a dimensão econômica e a dimensão social". O documento acrescenta que "é um desafio manter e melhorar as condições para as empresas e para os trabalhadores nessas cadeias tão competitivas".

O relatório técnico A promoção do trabalho decente nas cadeias globais de fornecimento na América Latina e no Caribe foi produzido pela OIT com base numa revisão de casos de participação de empresas da região nas CGF, em diferentes países e setores, com o objetivo de aproveitar as "lições aprendidas".

A região participa de CGF em setores como agricultura e pecuária, extração de minérios e petróleo, fabricação de baixa tecnologia, fabricação avançada e serviços deslocalizados (offshoring).

As CGF têm "cada vez mais relevância para a região, já que países da América Latina e do Caribe participam de várias indústrias que abrangem um número crescente de empresas e trabalhadores", diz o novo relatório da OIT.

"As CGF são estruturas complexas, diversas, dinâmicas e em constante evolução", destacaram no prefácio do relatório a Diretora do Departamento de Política Setorial da OIT, Alette van Leur, e o Diretor Regional para a América Latina e o Caribe, José Manuel Salazar. "Estima-se que entre 60 e 80% do comércio mundial se realiza atualmente através das CGF".

O relatório adverte que, embora "nas últimas duas décadas se assumiu implicitamente que as melhorias econômicas resultam em conquistas sociais, ou seja, melhoram o bem estar dos trabalhadores nas cadeias (...) as evidências recentes de todo o mundo sugerem que a melhoria econômica não aumenta automaticamente o nível social".

Entre as suas conclusões, o relatório conclui que a criação de emprego é maior nos segmentos de menor valor agregado das CGF, enquanto os segmentos de maior valor criam menos postos de trabalho, mas de maior qualidade.

Com relação a habilidades, o relatório indica que as etapas intensivas de trabalho nas cadeias de fornecimento da agricultura e do setor têxtil requerem níveis menores de competências do que as etapas e processos mais complexos de indústrias como a de artefatos médicos. As operações de montagem nos setores de maior valor agregado de produção que requerem as maiores qualificações fornecem salários maiores e condições de trabalho melhores.

Nos segmentos de menor valor agregado das CGF que utilizam trabalhadores menos qualificados, as empresas não têm incentivos para investir em melhorias sociais se isso aumenta seus custos. Enquanto isso, em setores de tecnologia mais alta as empresas têm mais incentivo para investir em sua força de trabalho para reter talentos. Dessa maneira, as políticas adequadas para cada caso devem levar em conta as especificidades do setor ou segmento em questão.

Os padrões de qualidade, os níveis de certificação e as habilidades técnicas melhoram quando a transformação da economia avança em complexidade tecnológica e de processos. Portanto, outra conclusão do relatório é que o investimento em recursos humanos e competências é uma das chaves para melhorar a inserção nas CGF, particularmente nas suas dimensões de qualidade do emprego e de melhores condições de trabalho.

Em contraste, as condições de trabalho nas cadeias de fornecimento não são boas ou tendem a deteriorar-se quando, a fim de reduzir os custos laborais para enfrentar a concorrência crescente, as empresas recorrem ao uso de mão de obra temporária, redução de salários, extensão de jornadas de trabalho e subcontratação, ou investem de maneira insuficiente em aspectos como saúde e segurança no trabalho.

O relatório argumenta que, "sob condições e marcos políticos apropriados, a melhoria econômica e a melhoria social podem andar de mãos dadas". Porém, para alcançar este resultado, é necessário melhorar a governança das cadeias de fornecimento e garantir que existam "processos de negociação justos, que protejam os direitos dos trabalhadores e garantam o desenvolvimento das empresas".

A OIT também constatou que as diferenças de gênero são maiores em alguns segmentos de menor valor agregado das CGF, que concentram uma alta proporção de mulheres trabalhadoras.

Para enfrentar os desafios laborais e sociais decorrentes da integração das empresas nas CGF, o relatório recomenda fortalecer os mecanismos de "governança" das cadeias, envolvendo os estados (governabilidade pública), as próprias empresas ou organizações de empregadores (governabilidade privada) e os atores sociais, especialmente através de organizações de trabalhadores e da sociedade civil.

O debate sobre a quantidade e a qualidade dos empregos gerados pelas CGF já foi tema de uma discussão geral da OIT protagonizada por representantes de governos, empregadores e trabalhadores de todo o mundo durante a 105ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em junho deste ano em Genebra.